segunda-feira, 26 de maio de 2008

Apagada das tablas do tempo

Do teu útero
Podias governar o mundo
E no entanto não mandas
Em ninguém nem em nenhuma nação.
Do teu corpo
Podiam catederilizar o mundo
Mas teu templo
É herança de Da Vinci, Miguel Ângelo,
E alguns neo-realistas também.
Dos teus lábios
Podes missionar o mundo
Contudo tuas mansas palavras
Caem sob ouvidos ateus
Adoradores de outras divindades.
Dos teus braços
Podem agradecer a Terra,
Porém a verdade dura, séria,
É que são esses homens a colher
O fruto do cultivo do teu chão.

Mulher, ainda apedrejada,
De rosto tapada,
Não mentes com o olhar:
És Deusa esquecida,
Das tablas do tempo,
Riscaram por cima de teu nome outro alguém -
Não mulher –
Para que possam-te minimizar.
Mas no teu gesto de Sabá sabes
Que podes governar
Catedrelizar
Missionar
Esse mundo
Que só a ti podemos agradecer.

(8 de Março de 2007)

Abafado

Grito no meu peito a minha voz de solidão
Aquela que não falo no dia a dia
A que se esconde censurando a sociedade
A que não se levanta perante a injustiça
Mas que grita por dentro com vontade

A que cerra os punhos de raiva
E morde, num soluço, palavras prestes a se libertar
A voz que anseia um dia soltar
Melodias que inventa, mas que não possui na garganta

Grito, num silêncio que quase rebenta nos olhos:
Parem!
E o mundo gira à minha volta, em guerras e fomes,
Em escravidão mecanizada ainda do último século
Sem direito a upgrades da globalização.
E chora quando vê estátuas a serem derrubadas
Como se a libertação de um povo valesse todas as mortes das crianças.
E chora quando vê museus do berço do mundo a serem espoliados
E chora, num grito abafado, a reeleição de um inegrumeno.

O grito do meu peito, soa abafado.
É uma voz que não se ouve, como tantas ao meu lado.

(Fevereiro 2007)

Se houvesse um depois do adeus

Depois de tudo acabar
Não vai magoar.
Depois, bem depois do tempo presente
Um olhar não virá rostos descontentes,
Virá memória ou esquecimento,
Mas nunca lágrimas num caixão.
De todas as lágrimas que não se perpetuarão
Como rostos pintados a carvão,
Ficará o quê, então?
Não me chores se cumprir meu condão
Só se perder a vida em repetidos movimentos mecanizados
[desencontrados da razão que me diz:
"Depois de tudo acabar, não vai magoar..."
Chora-me se não cumprir meu purgatório
- Meio Céu, meio Inferno -,
Chora-me se nunca cheguei a viver,
Chora-me se vivi num tempo
Em que ser contra - producente
Dá filosofia à Nação.
Chora-me, se chorar-me te vai no coração,
Mas lembra-te que as lágrimas não se vão perpetuar
Senão na nossa recordação.
Chora-me, se sentires que perdeste algo importante para ti,
Palavras que te acariciavam como uma brisa no orvalho,
Paletas de tons quentes no rosto sorridente, satisfeito,
Ausente.
Chora-me!
Se fazer-te chorar faz bem…
Mas não me chores pelo meu sofrimento:
“Depois de tudo acabar, não vai magoar!...”.

(Fevereiro de 2007)

Moeda na 'Fontana di Trevi'

Quero-te, amor,
Paixão à primeira vista.
Linda, imponente,
Numa tarde primaveril.
Quero-te!
Onde jovens Dionísios,
Desfrutam a alegria de te ver.
Onde teu branco marmóreo brilha
Num deleite de toque divino.
Deus esculpiu-te num rasgo de genialidade.
Arrancada de ruas de tijolo ancestral.
És musa do aqui serei feliz,
Maria - rapaz de doçuras neptúnicas,
Que pedem beijos, carícias e desejos,
Vontade de voltar.
Perderia a eternidade só a,
Em ti, paixão,
Meu olhar mergulhar,
Doce, no azul de teu mar.

(10 de Março de 2007)

Hoje li Cesário, onde não se lê mais Camões.

Hoje li Cesário com quem nunca leu Camões.
Portadores desta língua com quase dois mil anos,
Serão eles os soberanos de programas que letram ninguém.
Faz tua mala e leva tratados de fonologia
Que não contemplam a mitologia
Da lírica de “Alma minha(…)”.
Leva na tua mala recordações de reformas
Que apresam o país a entrar [prematuramente]
Em comboios europeus.
Hoje lemos Cesário, como se nunca tivéssemos lido Camões.
Sem intertextualidade
Só vimos a banalidade a gás dos serões.
Sem reconhecer filhos lançados a tormentas
Ou navegações ancestrais,
Hoje somos os filhos, amanhã seremos os pais.
Faz tuas malas e leva introduções a generativistas,
Ignorando palavras líricas dum dos mais belos classicistas.
Vai! E se levares Camões contigo
- Ou Bocage, Resende ou Dinis –
Será porque és mais que Bolonha,
Redutora e triste,
É porque ainda procuras, sozinho, o melhor do teu país.

(Março de 2007)

Sansão Adormecido

Dormência do corpo.
Cabeça encostada num ombro amigo,
De um companheiro,
Também ele adormecido.
Olhar de adoração.
Enquanto os dedos tacteiam os cabelos,
Fios delicados, multiplicados
E unos em madeixas que passam pela mão,
És, enquanto dormes, mais meigo,
Idealização de Eros nascido.
És como Cristo menino,
Inocente, incandescente, perfeito.
O roçar da pele estremece-te e paro!
- Quieta, não te quero acordar –
Prolongo em desejo um olhar que sustenho na respiração…
Finjo que durmo também e inalo
- Pouco a pouco –
O ar
Que retêm o aroma do teu cabelo,
Sansão do meu templo.

(Março de 2007)

Son of Abraham

Ishmael, son of Abraham:
Repent thy hand raise to thy brother
So that he may lower his own towards you,
And hostile siblings live as one in the same one world.

Be sure God will see
Thy merciful heart as his own;
A heart where paradise welcomes with a harm embrace
All those who serves, loves and plant seeds of long lasting peace.

The household still waits for you
Son, father, brother, love, seeds of my pride.
Lineage of the one, the mighty Adam and Eve, the fallen angels and,
The creator of everyone, called by many name, knowed to you as Allah.

Come Ishmael! Let me welcome thy sore feet.
Aged skin: tell me, how many years did you spend in the desert
Hearing bliss words told, of the land to come.
As bend to the ground, thy knees show just love, no pride

Be sure, Ishmael, father of twelve,
Thy loyalty does not measure by bloodshed:
No family or ram. He only is pleased about how his word is spread,
And how those thankful hearts will, the true word, receive.

Come!
Abraham waits for you, delfin!
Son of freed slave:
Heaven does not wait for war in holly name.

Amaste Bárbara

Se amaste Bárbara,
Nas ondas do Índico e Atlântico,
Amaste a terra quente
Da gente da nossa gente,
De nossa língua elegante

Se amaste Bárbara,
E teus olhos perdeste
No impenetrável de seu cabelo,
Deste-lhe um filho belo
Irmão de sangue ofegante

Se amaste realmente, alguma vez, Bárbara,
Sentiste que no pulsar de seu corpo
Existe o vermelho da terra,
De todos seus irmãos não amados
Que por sua mãe são chorados,
Os perecidos e os raptados na carga do levante.

Se tu amaste, alguma vez essa negra
De larga coxa e face dura
Felina, disposta a se proteger
Pela cor que não escolheu nascer
Amaste tua terra e legaste a essa fera
Nosso sangue português.

- Bárbara, encolhida no convés,
Perdoa teus captores,
De séculos precursores
De uma imposição moral.
Foram, em nome de Cristo, desumanos,
Juízes de um plano simplesmente medieval.
Perdoa! Por teres sido de tua casa levada
Amarrada e noutra terra plantada
Para dar descendência nacional.
Perdoa, toda a parca moeda de troca
Que te enterrou no trabalho da roça
Para servir amos, vilões e patrões.

Se alguma vez amaste Bárbara
Foste pioneiro de relações
Seguraste teu coração num porto,
Cultivaste frutos no horto
E criaste novas nações.

(Abril de 2007)

Musa Varão da minha Nação

Para quê fazer poesia
Se Pessoa disse tudo?
Como ele não se continha no mundo
Pelo menos naquele em que vivia.

Para quê a poesia analisar,
Se perto dela só estamos a mastigar
Ruminado palavras de Graça
Perfeição do Verbo que nos ultrapassa?

Musa da multiplicidade,
Que disse fingindo a verdade
É, mais que mil em um,
Um em mil,
Cabendo nele um lado infantil,
Um frenético e um solene
Fragmentado e perene
Génio de ósculos mil.
Beijando-me os olhos de lágrimas
Imagem triste, efémera, magra,
Lido como colo, pai e mãe,
Obcecado de ser ninguém,
Imagem construída,
Pensada que nunca seria lida,
Foste Musa varão de minha nação.

Para quê dizer se o indizível foi dito?
De tudo feio, de tudo bonito
De tudo possivelmente contido num sujeito
Que transporta a rotina no peito.

O que dizer, então, em versos?
Se até tu Fernando (nome do meu mano!...)
Pensaste que em tudo pensaste
Nesta alheia terra, à beira do mar?...

Ah!...Sobrevivendo a ti mesmo como um fósforo frio...

(19 de Abril de 2007)

Algo antigo

Contemplo minha juventude
Nos vários fragmentos de espelho
Estilhaçados no chão,
Agora, mil cacos que se apresentam,
E variam em forma, tonalidade e estação.

Foi a fúria, aquela ânsia do querer não perder
Um único momento, tardio,
A violência de festejar o meu luto
A minha luta de reivindicar
Tudo pelos outros…

Nunca tive uma causa!
Minha causa foi sempre a de outrem,
Foi sempre pensada num bem
Maior, altruísta.

E num período egoísta me deixei
Letárgica, acomodar,
Sem prazo de mim.

Perdi meu tempo,
Perdi tanto…



(Setembro 2005: é sempre giro encontrar poemas perdidos no fundo da gaveta... hoje não teria escrito isto, pelo menos assim, desta forma.)

A liberdade é uma utopia, miragem da modernidade (cf. Mote)

A liberdade é uma utopia, miragem da modernidade.
Contrariamente, meu século suspenso num diploma de tecnologia
Contém, pendido, foral que me atribui liberdade:

Sou livre de partir para lado nenhum,
Casal de Judas que perdeu as botas,
Desde que o faça na fronteira de nossa comunidade;
Sou livre, isenta de dizimo, de pagar à igreja,
Desde que pague vinte um por cento em cada cereja;
Sou livre de não trabalhar,
Desde que não tenha que viver nem minhas contas pagar;
Sou livre!
E no entanto engrilhetada em hipotecas
Aos senhores feudais, banqueiros nostros hermanos.

Sou, como todos, uma moderna medieval,
Mas convencida pela propaganda
De uma emancipação mundial.

Cega, pago mais que meus tetra-pais:
O trabalho, mais precário que o agrário,
É vinculado por tratos semestrais;
Minha casa já não é queimada,
Mas pode ser reclamada por minha entidades feudais;
Impelida pela TV, que selecciona minhas ideias,
Vejo-me entre supremacias raciais,
As novas cruzadas religiosas medievais.

Peço, a um Deus em quem não creio
Salvação dos Sarracenos,
Que, como nós, acreditam no patriarca Abraão,
Mas que de nós diferem por crerem no Corão
E que também tiveram uma Fátima,
Mas a minha, não!

Sou livre de amar!
- Quem tiver dinheiro para ser amado –
Pois ninguém acredita em amor e uma cabana
Se esta não tiver telhado…
Com tanta tecnologia, tanto dinheiro gerado,
Seria de esperar melhorias,
Que pelo menos a fome tivesse acabado.
Que outros despotismos, mais horrivelmente declarados
Fossem primeiramente conhecidos
Seguidamente exterminados

Somos, como todos, modernos medievais
Com uma exploração mais dissimulada,
Mais engrilhetados que nossos tetra-pais.

(27 de Abril de 2007)

Só saudades.

Minha mãe:
Quando eu morrer
Tuas lágrimas não quero ver.

Levo minha saudade,
Como meu coração
Entregue a ti, entre resquícios de colo de infância.
Levo a mesma alegria com que te sorri um dia pela primeira vez
Sabendo que aquela magia
Repetir-se-à em parceria,
No aqui, no além, no talvez.

Levo memórias
Não só da dor
De te ver sofrer,
Também daquele dia
Em que doente Jazia pálida a teus pés:
Foste tu, mãe, mão amiga
Que me consolaste quando doía;
Quando desfalecia desbotada de minha tez.

Levo reconhecimento,
Da valorosidade do teu sacrifício
Entre beijos de amor,
Mil, dez mil, um milhão,
Um infinito turbilhão de amor
Genuíno
Que só uma mãe pode ter.

Não me deixes ver-te sofrer,
Mãe!
Só saudades quero levar!
Doce…
Passagem…
Só saudades quero levar
Daqui para qualquer lugar.

(6 de Maio de 2007)

sábado, 24 de maio de 2008

Paroxísmo hereditário


Vem devagar, devagarinho,
Latejando, primeiro baixinho,
Sorrateira, de pianinho
Cefalagia de acordar matutino.
É tão danosa e tão intensa,
Que dói até quando uma pessoa pensa
Que este paroxismo na cabeça,
Apenas cansaço representa.
E é com a luz, tímida ou radial,
Que se assume como monumental,
Besta pulsátil crónico-fatal,
Que esmaga como clava a temporã lateral.
E sinto-me viva de morrer,
Meu sangue pulsa, sinto-o escorrer,
Para a veia, cheia, que tento prender
Com medicinas instintivo-tradicionais.
Ahhh, devoradora de cérebros,
Inibidora de intelectos,
Que me roubas o prazer da música e outros deleites predilectos;
Ohh, fatais genes,
Ohh, hereditariedade maligna
Só me trazes enxaquecas e penas de linhagem fidedigna.

Saudades de Portugal

Saudades de Portugal,
Saudades da brisa, do mar, do sol,
Saudades de quem não viveu cá
Maus ministros, chuva ou o mundial.
Saudades de quem vive longe
Na quimera de D. Sebastião
De quem não conhece o Tâmega
E nunca viu o Almorol.
Saudades de uma idealização
De nenhuma dificuldade concreta,
De quem vê na beleza da Costa
Sua paisagem predilecta.
Saudades, tanto assim,
Soletrada em Português,
Pois mesmo o filho do emigrante,
Não esquece esta terra de vez.
Saudade de todo o p,t,k
Que não é ouvido lá fora,
São saudades de férias passadas,
Desiguais às de quem cá mora.

Cá as saudades são outras,
Sentidas de outra maneira.
São saudades de ter tempo
De passear por esta terra inteira.

(Este poema foi escrito com a minha amiga Guida em ideia. Também dela tenho saudades)

Solange (ou reminiscências de António Patrício)


Sua voz era doce, alegre e espontânea.

Era moça afectiva,

Que abrigava amizades e cantava,

Com alma de mar, pequenos nadas,

Cheios de amizade.

Cansada, de às vezes não dormir,

Permanentemente elevava,

Como herói de banda desenhada,

O ânimo de qualquer mortal.

Solange era,

Tudo menos banal:

Flabelante no olhar

Tal famme fatal do passado;

Atenciosa num século descuidado.

Quis a sorte que partisse em busca de seu lugar.

Apartamo-nos,

- Quis a vida –

Mas da voz mais querida,

Daquela toada de menina

Ainda sinto em seu pestanejar a brisa do seu olhar.

Trino


Encerro-me entre mundo inteligível e sensível

E nostalgio-me de meu viver.

Sou o produto científico,

De uma sociedade semi-pacífica

Em tempos de revolução.

Possuo uma fé cega que celebra

Um viver só.

No palco deste mundo,

Pavoneiam-se seres sem sentimentos profundos

Movidos por descrenças na tradição.

Sacerdotes da moda, de temáticas eruditas

- mas só por fora -

Pois a cultura, a pintura, os valores da literatura,

São enaltecidos,

Embora os livros nunca tenham sido lidos

E não se conhecerem outras formas de expressão,

Excepto aquela que choca e grita:

“Terror interior” “Chique, não?!...”.

Ocas. As conversas sobre aquele coquete fetiche francês.

Ocas. As conversas virtuais “dtc”.

Ocas. As programações de noticiário que criticam a judiciária face ao “sistema inglês”.

Ocas.

E são poucas as mentes que não são assim.

A maior parte incompletas,

Que de tudo gostam e nada prometem

Tão globalizadas que estão

Ostraciszadas de si.

São cépticas, profecia do aparecimento da racionalização das técnicas,

Que em nada crêem, nem Deus, nem lar, nem nação.

Encerro-me mais,

No multíplice do meu conhecimento,

No meu ser único, tridivido,

Deus dos Templos de Hoje,

Eu, a fé e a razão.

Olhar de novo nos teus olhos

Quero, na privação do sono,
Contar-te todos os bocadinhos que de mim perdeste
Toda a falta que fizeste
Na ausência em que permaneceste.

Quero, em rima corrida,
Partilhar a dor em mim contida
Explicar-te o b-a ba dos meus passos
A minha outra vida
Meus pecadores compassos
Que vivi
Sem ti.

Contar-te, numa condensação de tempo
As longas horas passadas ao relento
Dos passos agora repetidos
Algumas vezes cantados,
Muitas vezes, no rosto molhados.

Agora,
Que o pai tempo voltou a nos reunir
Quero em fragmentos ver-te rir
Menina da minha infância
Bem-vinda de novo ao teu lar,
Domicílio de lembrança.

( à Mariana, que voltou do outro lado do mundo…)

Salaam (Parte II)


As-Salamu Alaykum
O homem barbado dirigiu-se aos altos emissariados.
Mahmoud Ahmadinejad, homem franzino, reservado,
Acusado anteriormente de ao malfadado eixo pertencer.
“Venho por este meio dizer…” e chocou na televisão.

Por um lado, disse, com razão, que o mundo não pertencia a ninguém.
Esses arrogantes não vem só do Islão, e até hoje,
Ameaçaram potências,
Realizaram prepotências,
Sobre países em nome de tudo, menos da razão.
Sem ninguém nomear, o presidente fez continuar sua linha de pensamento.
- E não eram poucas as cabeças a acenar, quer em desagrado, quer em consentimento –
Que o enriquecimento nuclear, era tão valido ali, como noutro qualquer lugar,
Evoluído,
E que ele próprio, se comprometia, aquele serviço ensinar,
A qualquer nação que o pretendesse tomar.
"Some big powers create a monopoly over science and prevent other nations in achieving scientific development as well. This, too, is one of the surprises of our time.”.
Por outro lado, toldado pelos ensinamentos que fundam sua cultura,
Negou descriminações ou a tortura,
De outros diferentes de si.
Estabeleceu o meu-teu
Cortando os mares, tal Moisés,
Dos iluminados e dos que se afastam dos divinos profetas.
De um lado, uma nação, que estravaza sua própria, a do Islão,
Do outro, o dos condenados,
Em linha aberta, em todos os noticiários.
Somos muçulmanos, não somos coitados.
Queremos nossos direitos preservados.
Salaam.
Essa era a palavra que devia ir de boca em boca.
Mas não em Hebraico, pelo menos na Palestina,
Que se quer muçulmana e felina.
Salaam.
Consequências de sessenta e dois anos de luto,
Que migraram sobreviventes de holocaustos para outros portos.
Mas que tem isso a ver connosco?
Salaam,
Pelo menos em papel,
Em acórdãos impostos a ferro e a fel.
“The Iraqi dictator had been supported by the same occupiers was disposed of, and no weapons of mass destruction were discovered, but the occupation continues under different excuses.”.
Somos acusados, mas homens honrados
Esse assunto deixou de ter discussão.
E o 11 de Setembro é outra história,
Que ficará, com outra memória que esconde,
Como antes, uma nação,
Lá longe,
Aliada contra outros inimigos de então,
Foi abandonada, depois de armada,
- Como nós, os portugueses,
Abandonamos os países com a nossa expressão. -
…Wa `alaykum as-salām.

Salaam (parte III)




Este vídeo não é da minha autoria, mas conclui o raciocínio inspirador deste ciclo

Salaam (Parte I)


Salaam!
Líderes engravatados congratulam convidados em jantares de beneficência.
Salaam!
Grande concílio na praça de São Pedro promove a reunião de multidões.
Salaam!
Milhões de assinaturas caem em e-mail’s rotos de intenção.
Salaam!

Salaam!

SALAAM!


Noutro espaço do mundo,
Uma mãe sufoca seu recém-nascido,
Para que não seja ouvido pelo general da guerra
Que, com um sorriso sádico,
Esventra uma outra com seu filho caído a seu lado;
Um fortuito gaiato,
Esgueira-se por entre corpos
Experimentando botas
Para sua longa caminhada de refugiado
(Isto se conseguir fugir para algum lado);

Salaam!
Choram as crianças babadas no ranho de um choro descontrolado.
Salaam!
Gotículas deixam um rasto branco em faces negras de desgosto.
Salaam!
Os pés! Onde estará o pé com que momentos antes pontapeava o esférico no muro derrubado?
Salaam!
Mães rasgam seu próprio vestido em dor.
Salaam!
Homens desgastados pela idade transportam nos braços o corpo inerte dum jovem.
Salaam!
Meninos de turbante aprendem a desmontar Avtomat Kalashnikov’s
Salaam!

Salaam!

SALAAM!

Quíntuplo haiku de expressão portuguesa


Já lá diz o ditado:
De fazer poesia
Está Portugal cheio.

Mas de experimentações,
Outras inovações
Pobreza e receio.

Fora da Península
Buscamos o soneto
Completo, duro e recto.

Sílabas comedidas,
Célebres sinfonias
De génio e coração.

Estagnado tempo,
Vê outras novas nações:
Com haikus, odes, canções.

(8 Janeiro de 2007)

Flore(s)


Se pudesse o tempo parar, suspenso na beleza das palavras,

Teria, na verdade falsidade, e ignoraria, à flor, seu murchar.

Se sentisse ainda o perfume, de outrora, da flor apanhada,

Que bom, em seu aroma mareada, recordando campos afora:

Veria mãos, chupando azedas entre searas,

Por entre risos e brincadeiras,

Rolando grãos translúcidos, sentada nas eiras,

De menina de perna ao léu, choradas.

Veria, nas brincadeiras descuidas, papoilas bailarinas;

E do mais bem-me-quer, uma ausência do nada.

Gritaria de felicidade a cada efémera violeta encontrada,

Compilaria compenetrada o mais belo bouquet de flores.

Oh, saudades de tempo em que fechava os olhos para sentir o perfume…

Que hoje vivo na cidade, sem meus brincos de princesa.

Tenho flores, mas sinto-me presa, a metafísicas de cientificidade,

Que me dão, no pensar, pequeneza e me trazem grande tristeza

Pela perda da inocência de mocidade.

Por isso

Dá-me rosas, rosas, e lírios também,

Que o Álvaro, Reis e Caeiro, esses, que nem existem,

Rogaram doutrinas e para mim foram alguém.

O engano de Caeiro












Se é milagre uma flor crescer

À beira da estrada

Rompendo terra e asfalto

Como que a querer gritar bem alto

“Vida!”,

É milagre, mais que a flor achada,

Teus olhos poder ver,

Castanhos, constantes, calados,

Expressos em rasgos mutantes

De amizade, paixão, amor.

Se há, no arco-íris a única verdade,

Elusiva da expressão da divindade,

Duma refractada luz concretizada,

Há algo nos teu modos,

Perenidade dispersa sinuada

Que me ilude a verdade

E me faz crês

Que todo o amor é puro milagre.

Se só na realidade observável,

Ignorante da cientificidade

Microscópica,

Que nada é uno,

E tudo divisível a uma infinidade,

Se só ela, tão falsa como,

Se parássemos para ver,

Bela, é realmente o que há de verdadeiro,

Não creríamos em nada,

Nem na vida inflamada

De vida,

Ao nascer já perecida,

Como a flor que será eventualmente esmagada.

Mas a verdade é muito mais,

Mais que simplicidades rurais,

É aquilo que o homem pensa, o que existe e ele cria;

É Deus na forma humana,

Ex-nihil inventor

De outros seres, de felicidade ou dor,

De palavras,

- ah… e todas as palavras são verdade

Beleza pura num estado primeiramente

Inusitado –

E acima de tudo do amor,

Dos modos tão ardilosos

Desses olhos, castanhos, profundos.

Brincar de Acreditar


INTERLÚDIO

Entrar no mundo fantasioso de uma criança
É como ter a cega esperança de realeza
Nos bairros de maior tristeza social
Pensando palácios de rotos e corte de nus.

***

Catarina, criança pequenina,
Agitada na euforia de companhia amiga
Apresentava, tal maga, com sua varinha
Espectáculos de espantar.

Com uma seriedade,
Que lhe mentia a idade,
Avisava senhoras e senhores
Com honras e louvores
Magias, feitiços, e esoterismos esquisitos
Que pretendia realizar

Com palavras só suas conhecidas
Soltava:
Uaba-Uaba-Uaba
(parente próximo de abracadabra)
Desapareça a minha casa!
E apontava para a casinha de brincar.
Ela, pela nossa mentira esperava,
E no esvaecimento confiava que nós pudéssemos ver.

A onde é que enfiaste a casa, Catarina,
Aquela mais baixinha, em que os pinypons costumas meter?
Ainda agora a fitava, e estou perplexa e pasmada
Por a ter visto sumir…

Ela, com a estrelar varinha de magia,
Segura em seus dedos que agora se cruzavam
Por detrás das costas
Balouçava
Orgulhosa
De seu feito vaidosa:
Fi-la desaparecer!

Vamos procura-la!
Oh casa! Cá-sa!
E revirávamos bancos ignorando
O brinquedo voluntariamente esquecido,
Para brincar deste imaginar,
Até que ela,
Em sorrisos engasgados,
Revolvia seu segredo revelar.

E mostrava-nos a feitiçaria,
A casa, psedomente escondida dentro
Do espaço interior estrelar.
Como é que meteste aqui tua casinha,
Que está agora
Não pequena, mínima,
Dentro da vara que estavas a agitar?
É magia! (lá respondia – sorria)
Magia de menina, maga,
Senhora do inventar.

E lá se repetia de seguida
Uaba-Uaba-Uaba
(parente próximo de abracadabra)
Reapareça a minha casa!
E apontava para a casinha de brincar.
Ela, pela nossa fantasia esperava,
E no fingimento confiava que nós
Na cega esperança de realeza
Pudéssemos ver na sua magia beleza,
E na felicidade plena, o simples brincar de acreditar.

Gui


Pezinho que bate, pezinho que estica,

Pezinho que a pele da barriga arrebita,

Pezinho que mostra o corpo lá dentro

De uma nova vida, doce rebento.


Pezinho que marca sorriso na mãe,

Pezinho, muito mais que pezinho:

o mundo inteiro também.


Pezinho, ou braço, em torno, torso colapso,

Pezinho que presente o mundo nefasto,

Que sente, apalpa, espreguiça e mora,

No colo, também noutro útero outrora.




(Ao meu sobrinho, o mais lindo pezinho do mundo.)

Sexta, 24 Novembro 2006

Entre Selene e Apolo


Quando te escondias do sol

Procuravas na noite as nuances das cores

Invisíveis sem o espectro de Apolo.

Querias, como se banhos de luar te bronzeassem,

Ver aquilo que durante anos não pudeste sequer aproximar.

Querias a descoberta das brincadeiras de criança,

Onde brincavas às escondidas em plena vista,

Como que, sendo crescida, tivesses o direito de ser criança.

Era no silêncio,

No macabro silêncio que nos sobressalta à mais mínima agitação,

Que procuravas tuas resposta,

Num tom de desafio à sabedoria da noite.

Foi nesse fundo poço de Selene

Que viste,

Pouco mais que nada à frente do nariz,

Numa rotina tediosa,

Excitante apenas a aqueles que nunca anestesiaram os sentidos.

Quando quiseste, um dia, acordar mais cedo,

Viste que era tarde.

Pensaste: “Amanhã! Amanhã verei a luz do dia!”

Mas nunca mais conseguiste acordar a horas de ver o mundo,

Em sua plena palete de cores, sem ficares enjoado.

É o enjoo da Lua que perdura no teu pensar.

Hoje, Apolo fere-te a vista em castigo divino.

Cada hora do dia, que outra hora servia para dormires,

Contribui para o enjoo que não passa.

Um dia, será na noite que te sentirás mal.

Mas até lá, preambula junto dos outros mortais,

Nesse frenesim matutino que te impele a pensar

Que és uma ave de rapina nocturna

Sobrevoando a cidade subterrada por nevoeiro,

Procurando um lugar para poisar.

domingo, 18 de maio de 2008

Sufrágio a Benazir Bhutto

Hoje é um dia de Luto: Morreu Benazir Bhutto
Parte da nação regozijou-se, outra chorou,
Da morte, o absoluto
Imutável, incompreensível do acto de suicídio mútuo.
Ela foi vanguarda;
Ela foi difamada;
Ela foi ao dólar educada, e ao Tio Sam, infelizmente, associada;
Ela foi teimosamente suicida
Voltando às raízes do ventre da terra de onde foi extraída;
No seu âmago o desfecho conhecia
Antes mártir que foragida,
Arcanjo da hierarquia caída;
Exemplo de estúpida obstinação
Ela é, ambivalentemente,
Coragem, víctima e Islão;
É o luto ocidental,
Do imaginário romântico-medi;
Sherazade sob um véu não virginal,
É o ponto de viragem do poder matriarcal.
País que chora a perda da mãe,
Que move, até, os corações em Portugal:
Hoje o Islão cai em orfandade
Enquanto irmãos se agridem em rivalidade
Uns disparam tiros de felicidade,
Outros perdem parte da identidade
Ao verem os adventos da democracia
Eliminados em tragédia e crueldade.
Dizem-na, os que festejam, corrupta;
Os que contra seu próprio peito batem, um exemplo de verdade.
Eu vejo, nas suas preces, um desejo de paz e igualdade.
Queira Allah a receber no seio do pai Abraão
Hoje é dia de luto: Chora o Mundo e o Paquistão.

(27 de Dezembro de 2007)

Lenga-lenga de anatomia



Venho aqui partilhar um pouco da sabedoria da cultura popular. Tenho pena de nunca ter decorado as intermináveis lenga-lengas que minha avó me contou, dias antes de morrer. Como prenuncio do fim, agouro da morte. Mas pequenas coisas retive, dos anos de convivência. Aqui ficam retalhos de anatomia:

Sinal da cara, mulher de farra; Sinal na perna, mulher de taberna; Sinal no peito, mulher de respeito; Sinal no braço, mulher de desembaraço; Sinal na mão, mulher de coração; Sinal no pé, mulher de banzé...

Oh, quem me dera ter um spam de memória maior que o de um peixe, e trazer à memória todas aquelas delícias de menina...

Meu poço

Meu lado escuro

É ignorado

Por mim mesma posto de lado

Recalcado.

É fogo dormente

Espera-se que aguente

Tempestades de outro ventre

Igualmente escuro mas declarado.

Meu poço

É cheio de mágoa

Lágrimas de arrependimento

Que a memória esquece mas o coração sente.

É frio para não ser quente.

Fica em sonolência

Torpor de violência

De vontade de mulher.

É um lado

Que tal selo preste a ser quebrado

Solta todos os males de Pandora.

Traz crueldade

Traz apenas minha vontade

E trás aquilo que meu coração ignora.


(Março, 2008)

Crina branca
Porque choras?
Foi meu amor que foi embora
Temo-o, não o poder ver...

Tempestade
Porque gritas?
Para assustar meninas aflitas
Que teimam em se perder.

Tempo quente
Porque passas?
Sou bom mas trago desgraça
No fogo devasto a paixão.

Criancinha
No que pensas?
Penso que a morte não cansa
E alivia o coração.

(2004)

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Antes que se perca a memória

Em conversa com a minha mãe, ela soltou, como que um suspiro, a seguinte lenga-lenga:

"Ai! Dias de Maio, dias de amargura; ainda agora levantou-se o sol, já se pôs a noite escura..."

Ora esta ideia é um pouco contrária à realidade. No mês de Maio, em Portugal, o sol põe-se até bastante tarde. Então qual a razão deste "ditado"?

Pois, bem, antes que se perca a memória aqui fica o registo: à muito tempo atrás, antes das comunicações electrónicas e móveis, as mulheres eram forçadas a fazer parte das lides fora de casa. Como ir à fonte buscar a água. Ora como um dos poucos entretens que tinham seriam talvez uns dois dedos de conversa, quando encontravam uma comadre lá se punham na codrilhice. E assim passava o tempo sem que se dessem conta. Daí o ditado, referindo-se ao rápido passar do tempo quando uma pessoa se distraí.
Curioso, não?