sábado, 24 de maio de 2008

O engano de Caeiro












Se é milagre uma flor crescer

À beira da estrada

Rompendo terra e asfalto

Como que a querer gritar bem alto

“Vida!”,

É milagre, mais que a flor achada,

Teus olhos poder ver,

Castanhos, constantes, calados,

Expressos em rasgos mutantes

De amizade, paixão, amor.

Se há, no arco-íris a única verdade,

Elusiva da expressão da divindade,

Duma refractada luz concretizada,

Há algo nos teu modos,

Perenidade dispersa sinuada

Que me ilude a verdade

E me faz crês

Que todo o amor é puro milagre.

Se só na realidade observável,

Ignorante da cientificidade

Microscópica,

Que nada é uno,

E tudo divisível a uma infinidade,

Se só ela, tão falsa como,

Se parássemos para ver,

Bela, é realmente o que há de verdadeiro,

Não creríamos em nada,

Nem na vida inflamada

De vida,

Ao nascer já perecida,

Como a flor que será eventualmente esmagada.

Mas a verdade é muito mais,

Mais que simplicidades rurais,

É aquilo que o homem pensa, o que existe e ele cria;

É Deus na forma humana,

Ex-nihil inventor

De outros seres, de felicidade ou dor,

De palavras,

- ah… e todas as palavras são verdade

Beleza pura num estado primeiramente

Inusitado –

E acima de tudo do amor,

Dos modos tão ardilosos

Desses olhos, castanhos, profundos.

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